Diversificar é Pecado?

        “Estamos querendo diversificar nosso negócio”. Já perdi a conta das vezes em que ouvi, com um “friozinho na barriga”, um cliente dizendo isso. Eu era gerente de contas no Citibank, tinha a responsabilidade pelo crédito concedido às empresas que eram minhas clientes e, ao ouvir essa frase, já imaginava os capítulos seguintes do que certamente, pensava eu, seria uma novela: imobilização crescente, dívidas, falta de foco e, acima de tudo, o tal do cash drain. Em bom português, tirar dinheiro da empresa boa para colocar na ruim. O empresário sempre parecia gostar mais da empresa ruim, o que não me surpreendia: se gostasse mais da boa, fecharia a ruim!

        Nos últimos anos, não por acaso, assistimos ao ocaso de grandes conglomerados, sempre sob o mantra “foco no core business”. Mais uma vez em bom português, foco na atividade básica da empresa, naquilo que ela sabe fazer bem. Não estamos aqui falando em estender atividades com negócios complementares, a chamada diversificação relacionada, onde a partir de uma mesma competência básica atendo a dois negócios distintos. Falamos aqui da diversificação pura, como do usineiro que gosta também de ser construtor, do idustrial que, por via das dúvidas, tem um hotel. De fato, a diversificação andou sendo “malhada” a partir de diversos pontos de vista. Vamos aqui olhar o ponto de vista de Finanças.

        A Teoria de Finanças reconhece o valor da diversificação de investimentos. Seu efeito matemático é o de reduzir o risco sem reduzir o retorno esperado: melhora a relação risco-retorno. A partir de uma definição formal de risco e alguns cálculos com variâncias, um bom profissional de Finanças dá um banho matemático à velha e boa recomendação de não se colocar todos os ovos na mesma cesta. Bom, não é? Só que o estudioso de Finanças vai dizer que uma empresa que diversifica não cria valor para o acionista. Por quê? Porque isso é algo que o acionista pode fazer sozinho.

        Vamos imaginar que eu esteja administrando uma empresa do setor de alimentos e, preocupado em reduzir os riscos, decida investir na distribuição de combustível. Isso mesmo! Por que não? Vou utilizar os recursos da empresa e comprar alguns postos de gasolina. Quando um negócio não estiver indo bem, talvez o outro compense. A resposta do estudioso de Finanças é simples: se o investidor quer estar nos dois negócios, pode comprar ações de uma empresa de alimentos e também ações de uma empresa de distribuição de combustível. Pode fazer isso na proporção que desejar, distribuindo igualmente entre os dois negócios ou ainda buscando concentrar-se em algum deles. Se, ao contrário, a empresa fizer essa diversificação, o investidor perderá o controle da situação. Não poderá mais decidir exatamente quanto aplicar em cada setor e o resultado será um desinteresse pelas ações da empresa, levando a um valor menor para a ação, com perdas para todos.

        Começo a pensar então que diversificar é sempre ruim... mas vamos olhar mais de perto. Vamos voltar ao que dizem os tais estudiosos. Em primeiro lugar, o argumento supõe que o investidor pode diversificar sozinho. Isso é mesmo verdade? Parece que sim se estou em um mercado como o norte americano, com bolsas de valores enormes e ações líquidas em praticamente todas as atividades economicamente relevantes. E no Brasil? Será fácil para o acionista buscar qualquer negócio comprando ações de posto de gasolina, construtora ou hotel? Olhando de outro lado, será fácil para o empreendedor, possuindo boas idéias e capacidade, financiar com ações o seu projeto?

        Pensando nisso, dois autores indianos, Krishna e Palepu, publicaram uma opinião dissonante na revista de Harvard, a Harvard Business Review. Olhando principalmente para o mercado indiano, mas dentro de uma realidade que muito se parece com a nossa, os autores mostram que em um mercado pouco desenvolvido como o nosso os conglomerados empresariais acabam por suprir certos recursos de que o empresário europeu ou americano dispõe mas nós aqui não. O mais óbvio é o do acesso a capital. Basta olhar para a experiência recente com as empresas recém formadas para operar através da Internet. Nos EUA, as que não abriram ainda seu capital têm a perspectiva clara de fazê-lo, em um futuro não muito distante. Prova disso é que, mesmo ainda com seu capital fechado, conseguem atrair profissionais oferecendo participação acionária, e esses profissionais aceitam já pensando em quanto poderão ganhar quando a empresa abrir seu capital. E no Brasil? Aqui as empresas precisam, na maioria das vezes, começar ligadas a grandes grupos ou buscar capital privado, o private equity.

        Menos óbvia é a formação de profissionais. Vamos encarar os fatos: são poucas as nossas escolas de formação profissional, de nível superior ou não, com qualidade de padrão internacional. No mundo dos negócios, isso fica muito claro. A figura do MBA é uma novidade por aqui, uma iniciativa relativamente recente das escolas brasileiras, e ainda assim concentrada em poucas instituições. Dá para comparar com as centenas de MBAs americanos? Não bastasse a pouca quantidade, os cursos brasileiros não podem contar com os alunos em período integral, como seus concorrentes no hemisfério norte. Excelentes escolas, bons professores, mas competindo em uma condição desvantajosa. Onde entram os conglomerados? Na formação desses profissionais. O fato é que em países como o Brasil o papel das grandes empresas na formação de executivos é crítico, pelo próprio ambiente em que elas estão.

        Capital financeiro e capital intelectual sem dúvida são dois excelentes argumentos para justificar a presença de conglomerados por aqui, com todas as restrições que possamos elaborar sobre eles. Mesmo no Brasil, entretanto, os conglomerados são cada vez mais raros, a diversificação por si só cada vez menos defendida. Isso ocorre no momento em que se processa a abertura da economia, em que se discute a Lei das S.A. e em uma fase de crescimento da formação profissional, principalmente de executivos.

        O que temos agora é uma corrida de qualificação profissional, legal e de mercado, para que as empresas possam obter em um mercado mais livre e amplo os recursos de que necessitam para seu desenvolvimento.