A reforma da Lei das S.A., já comentada nestas análises semanais, vem acompanhada de um debate que, ao menos na intensidade atual, nunca tivemos no Brasil: o do papel do Conselho de Administração. Não é uma exclusividade nossa, e vem como parte de uma atenção em todo o mundo sobre o tema de Corporate Governance, ou Governança Corporativa, o estudo de como o poder se estabelece nas empresas e como os diversos interessados (stakeholders) são representados e dividem esse poder.
Em um país acostumado a conselhos que, em geral, são um clube fechado dos controladores, ergue-se a voz do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, com seu “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”. Entre outras recomendações, destaca-se a presença no conselho de membros externos ao controle da empresa, e mesmo à própria empresa, representantes da sociedade cujo objetivo é garantir que as decisões da empresa atendam a seus compromissos de forma global e não apenas aos interesses de grupos específicos, fazendo com que todos ganhem a longo prazo. Afinal, medidas que beneficiem de imediato a grupos específicos podem não passar de miopia empresarial, pois a longo prazo as partes prejudicadas se afastarão da empresa ou, pior, continuarão a relacionar-se com ela mas em posição de baixo comprometimento ou mesmo de antagonismo. é esse o caminho para que a empresa tenha funcionários desmotivados, fornecedores pouco comprometidos ou ainda dificuldade de acesso aos mercados de capitais ou de relacionamento com a sociedade e seus clientes.
As Melhores Práticas, preconizadas pelo IBGC, não surgiram do nada, espontaneamente. Refletem um debate mundial, cujo modelo mais avançado é o das empresas norte-americanas. Não se trata de copiar, assumindo que o que é bom para a economia norte-americana é bom para a brasileira. Trata-se de reconhecer os avanços de lá e compreender seu sucesso.
As recomendações mostram aonde gostaríamos de ir, mas cabe aqui uma discussão sobre como chegar lá. Será realista esperarmos que os atuais controladores das empresas, em um lampejo de desprendimento, resolvam abrir as portas dos conselhos que hoje dominam? Talvez tenhamos alguns bons exemplos isolados, mas faz sentido procurarmos uma regra geral. Será ainda realista forçá-los por meios legais a abrir os conselhos de imediato a toda a sociedade? Mais ainda, terá sido algum desses dois caminhos aquele seguido pelas empresas norte-americanas, já que tomamos um modelo que elas vêm seguindo?
Vamos olhar mais de perto. De um lado, vemos nos conselhos americanos um mosaico de representações, que incluem minorias étnicas e representações de entidades sociais. As empresas inegavelmente ganham. Ao buscar uma representação latina, por exemplo, o Citicorp conseguiu nada menos que o hoje falecido Prof. Mário Henrique Simonsen entre seus conselheiros! De outro lado, entretanto, vejamos seus acionistas. O mesmo Citicorp tinha como principal acionista, na época do Prof. Simonsen, um príncipe árabe que detinha menos que 5% de suas ações. O que significa isso? Significa que praticamente nenhum acionista individual era capaz de se fazer representar diretamente no conselho! Para ter alguma representação, o pequeno acionista precisa de alternativas. Uma delas é a representação através de procuradores, o chamado “proxy voting”, que está nascendo no Brasil e tem como principal representante a empresa Investidor Profissional, que já protagonizou várias disputas recentes com controladores de várias empresas, representando acionistas minoritários que, unidos sob um mesmo procurador, ganham uma força que individualmente não teriam. Uma outra alternativa é justamente a de ter representantes da sociedade, pessoas de destaque. Não por acaso, duas alternativas muito usadas no mercado americano onde as empresas, como regra geral, têm seu controle acionário pulverizado.
Não temos aqui uma estatística de como os conselhos surgiram e evoluíram, mas é bastante razoável supor que a atual composição dos conselhos americanos é simplesmente uma conseqüência natural da composição acionária das empresas. Aí está a chave. Empresas de controle concentrado sempre terão conselhos concentrados! O caminho natural parece ser, com uma ajudazinha da lei, aquele que começamos agora a seguir. Se garantimos ao acionista um conjunto de direitos, entre eles a representação no conselho, podemos ter a esperança de que pavimentamos o caminho para que no futuro o capital das empresas brasileiras seja mais pulverizado, mais democrático. No princípio, teremos representantes diretos dos minoritários, em oposição aos representantes dos controladores. Com o passar do tempo, vamos sonhar um pouquinho, chegaremos a ter empresas onde o controle não seja mais absoluto, onde não tenhamos um pequeno grupo de acionistas dando a última palavra. Daí à representação da sociedade, nos moldes das Melhores Práticas do IBGC, será apenas um passo.
Quem sabe...