Temos visto, nos últimos meses, muita discussão sobre quanto valem as ações na NASDAQ e a comparação entre essas ações, da chamada Nova Economia e aquelas das demais atividades, a Velha Economia. Por que essas ações deveriam comportar-se de forma diferente daquelas que já conhecemos? O que tem isso a ver com a bolsa em que elas têm sido negociadas?
Em primeiro lugar, vale a pena entender a relação entre essas ações e as bolsas. A mais tradicional dos Estados Unidos, a New York Stock Exchange (NYSE) tem sido o palco de negociação das ações das maiores e mais tradicionais empresas norte-americanas e mesmo não americanas. Anos atrás, entretanto, a National Association of Securities Dealers, a NASD, criou um sistema eletrônico de negociação de ações denominado NASD Automated Quotation, o sistema NASDAQ. A rigor, não é legalmente uma bolsa de valores embora na prática funcione como se fosse. Nesse sistema, as ações cadastradas podem ser negociadas automaticamente. Quem quer comprar ou vender ações coloca no sistema sua oferta. O sistema então encontra ordens de compra e venda compatíveis, completando a negociação.
O sistema NASDAQ trouxe duas novidades ao mercado acionário. A primeira foi um custo de transação muito baixo. No sistema anterior era necessário todo um aparato de comunicações, no mínimo dois operadores de pregão envolvidos em uma mesma transação, com suas estruturas operacionais, de atendimento ao cliente etc. Era natural que somente fosse viável para negócios de maior valor individual. O novo sistema, totalmente automatizado, viabilizava economicamente compras e vendas de menor valor unitário e a própria emissão primária de ações em volumes menores. A segunda novidade foi na verdade um movimento forçado de competição da NASDAQ. Enquanto a NYSE acumulou restrições ao longo do tempo em termos de volumes e das próprias qualificações das empresas para que suas ações fossem negociadas em seu pregão, uma iniciativa saudável para proteger a própria qualidade do mercado, a NASDAQ precisou ser mais flexível, seja porque era o competidor que chegava depois e precisava de empresas que colocassem suas ações para serem negociadas lá, seja porque isso fazia parte de sua própria filosofia democratizante do mercado. Uma diferença interessante em relação às restrições da NYSE é que esta exigia das empresas um histórico de lucros em seus balanços.
A NASDAQ logo se tornou a alternativa daquelas empresas novas que desejavam ter acesso ao mercado de capitais e não atendiam às restrições da NYSE. Particularmente em relação ao histórico de lucro, muitas vezes não tinham nem o histórico (eram recém criadas) nem o lucro... A NASDAQ foi a alternativa da Microsoft e da Intel, hoje duas veteranas dos mercados, bem como da Amazon e de toda a miríade de pequenas empresas, particularmente de tecnologia, que as seguiram e que caracterizam a Nova Economia. Daí a relação que se faz com NYSE/Velha Economia e NASDAQ/Nova Economia.
Essa relação tem a ver com o desempenho econômico recente das ações e das próprias bolsas. Diz a Teoria de Finanças que em um mercado eficiente o valor de uma empresa (e, portanto, de suas ações) corresponde ao valor presente dos ganhos que promete. é o fluxo de caixa esperado descontado a uma taxa de retorno compatível com o risco do negócio. Saber se o mercado é eficiente ou não já é, por si só, um desafio enorme. De qualquer forma, é razoável supor que seja eficiente ao menos nos dois maiores palcos de negociação de ações do mundo, que são a NYSE e a NASDAQ. O problema surge quando discutimos os ganhos prometidos.
Na chamada Velha Economia, as empresas já têm um histórico de performance, que serve de base para que se projete seu desempenho futuro. Esse é o espírito das restrições impostas pela NYSE. Quando analisamos uma empresa recém criada, entretanto, não há histórico nem lucros. Com base em que vamos formar uma expectativa? Quando começará a dar lucro? De quanto será esse lucro? Não é um problema fácil de resolver. As primeiras estimativas são reféns do nível de otimismo do analista. Um chute!
Para complicar o processo, os analistas de ações no mundo todo utilizam os chamados “comparativos”. O princípio é simples: quando não tenho informações suficientes para calcular o valor de uma empresa mas conheço o valor de outra empresa com características semelhantes, tomo esta outra como base. Calculo então o preço desta outra como um múltiplo das vendas, do patrimônio, do lucro, enfim de algum parâmetro que julgue representativo dessas empresas. Por exemplo: se uma empresa que fatura 1000 vale 500, então a que fatura 700 deve valer 350. A primeira armadilha óbvia é que nem sempre as empresas são totalmente comparáveis, por mais que sejam parecidas. A segunda é que se já estimei errado o valor da primeira empresa vou repetir o erro na segunda.
Esta segunda armadilha foi o grande fantasma da NASDAQ. Partia-se da avaliação otimista de uma empresa sem histórico e sem lucros. O valor desta primeira era a referência para o valor de uma segunda que sequer existia. Mas se ao nascer esta segunda o otimismo a deixasse relativamente mais valorizada que a primeira, também aquela teria seu valor aumentado, agora tomando como referência a segunda... Uma bola de neve! Em muitos casos a origem do valor, a capacidade de gerar lucro e caixa, era esquecida.
O potencial da Internet revolucionando os negócios é inegável. é o aumento brutal da velocidade de decisões e sua implementação, é a queda acentuada nos custos de transações, é a reformulação conceitual de muitos negócios. Toda essa revolução, entretanto, não é capaz de revogar um princípio básico em Finanças: uma empresa vale o fluxo de ganhos que promete. Esse fluxo, é claro, depende dos negócios que pode realizar, não do valor da ação do vizinho!