A Lei das S.A. e os minoritários

        Estamos muito próximos de ver aprovado um conjunto de alterações à Lei das S.A. que vem provocando muita polêmica. Proposto pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, arquivado e recolocado em discussão, ampliado pelo substitutivo do Deputado Emerson Kapaz, da Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, está agora nas mãos do Deputado Antônio Kandir, relator da Comissão de Finanças e Tributação. Que alterações traz esse projeto, que vem sendo discutido há mais de três anos? Porque provoca tanta discussão?

        Essencialmente, busca dar mais proteção ao acionista minoritário, dentro da convicção de que essa é uma etapa mandatória para finalmente desenvolvermos o mercado brasileiro de capitais. Afinal, o que se negocia nas bolsas não é o controle das empresas: negociam-se ações de minoritários. é o valor da empresa para os minoritários que está refletido em sua capitalização de mercado. E esse projeto não poderia vir em melhor hora. Estamos em pleno processo de globalização dos mercados de capitais, com a Bovespa anunciando estar em discussões multilaterais para a criação do GEM, Global Equity Markets, envolvendo a própria Bovespa, a New York Stock Exchange, a Euronext (Paris, Bruxelas e Amsterdã), Tóquio e outras quatro bolsas ao redor do mundo.

        As principais mudanças dizem respeito à representação de minoritários no conselho de administração desde que reúnam 10% ou mais do capital acionário (incluindo ações preferenciais) e às regras de oferta pública aos minoritários no caso de negociação do controle acionário. Esta última visa a corrigir uma distorção criada pelo próprio Deputado Kandir, com o objetivo de facilitar a vida do Governo no Programa Nacional de Desestatização: desde 1997 o controle acionário de uma empresa de capital aberto pode ser negociado sem que se proteja adequadamente o direito de venda pelos minoritários. Outros pontos relevantes incluem a garantia de um rendimento mínimo às ações preferenciais e a redução do limite dessas ações, de dois terços para metade do capital acionário total da empresa.

        De um lado, a ANIMEC, representando principalmente os acionistas minoritários, aplaude o projeto, enquanto a ABRASCA, representante das empresas de capital aberto (de certa forma, representante dos acionistas controladores), mostra sua preocupação com as distorções que diz estarem sendo criadas. A principal crítica diz respeito à representação dos chamados preferencialistas no conselho de administração. Segundo a ABRASCA, cria-se a possibilidade de que concorrentes possam dispor de meios para infiltrar representantes seus no conselho da empresa, tendo acesso a informações confidenciais. Mais ainda, investidores mal intencionados poderiam adquirir uma posição acionária de 10%, eleger um representante no conselho e, em seguida, vender sua posição mantendo lá seu “espião”. Será legítima essa crítica? Vamos olhar mais de perto.

        Em primeiro lugar, 10% não é uma participação tão pequena assim. Comprar 10% do capital de uma empresa em pouco tempo impacta acentuadamente o valor de suas ações, não sendo uma operação trivial. Além disso, existem certos mecanismos no projeto de lei que atenuam esse risco, tais como a exigência de um prazo mínimo de propriedade das ações para que se adquira o direito de eleger um representante e a destituição desse representante quando as ações são vendidas. Apesar desses atenuantes, é no próprio conselho de administração que se encontra a resposta. Aqui no Brasil, com a acentuada concentração do controle acionário, o conselho de administração tipicamente representa uma relação incestuosa entre acionista majoritário, conselheiro e administrador. O acionista controlador domina a assembléia, elege a si próprio para compor o conselho e esse conselho contrata o administrador, freqüentemente o próprio acionista majoritário. Naturalmente, o grupo de pessoas que controla a empresa discute, quando reunido, temas que vão de interesses enquanto acionistas até detalhes realmente confidenciais de pesquisa ou desenvolvimento de produtos. Muitas dessas coisas não têm qualquer relação com o trabalho que, de fato, o conselheiro deve cumprir. Cabe ao conselho escolher e avaliar os administradores, fiscalizar sua atuação e aprovar certos atos estratégicos cujo escopo depende de cada caso (entenda-se estatuto social). Informações tais como detalhes confidenciais de projetos e dados confidenciais de clientes não dizem respeito ao trabalho do conselheiro.

        O fato é que o mundo de Finanças já descobriu o óbvio, que o acionista minoritário deve ter seus direitos protegidos porque somente assim vai sentir-se confortável para aplicar mais em ações, não apenas aumentando a oferta de capital às empresas mas, e principalmente, barateando seu custo. é claro que somente a reforma da lei não transforma o mercado. é preciso que a Comissão de Valores Mobiliários seja fortalecida para fomentar as condições de aplicação da lei. é preciso ainda que outros fatores ambientais sejam mais favoráveis, com juros domésticos mais baixos, a tão sonhada reforma tributária e tantas outras coisas que não cabem aqui. Mas é um começo, e um começo importante.

        Enquanto isso não acontece, entretanto, temos visto uma reação antecipada à reforma da lei com um movimento sem precedentes de fechamento de capital. Por quê? Acho que existem aqui alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, muitas empresas que estão fechando seu capital simplesmente não têm motivo para mantê-lo aberto. é o caso principalmente daquelas empresas controladas por multinacionais que já têm seu capital aberto no país de origem. Pelo menos enquanto temos ainda um mercado acionário pequeno e caro, não faz sentido manter o capital aberto na subsidiária. Se o fechamento do capital já era uma alternativa a considerar, a perspectiva de que essa operação se torne mais cara no futuro é um grande motivador para que seja antecipada. Um exemplo? As estatais recentemente privatizadas e compradas por grupos estrangeiros. Existem ainda aquelas empresas, principalmente familiares, que vislumbram a possibilidade de venda do controle no futuro próximo. Mais uma vez, é interessante a elas fechar o capital ou, ao menos, diminuir sua presença no mercado acionário agora. Finalmente, existem aquelas empresas que abriram seu capital no contexto anterior, cujos controladores não têm interesse em dividir o poder. A perspectiva de dividi-lo é sem dúvida um grande motivador para o fechamento do capital agora.

        Não são essas empresas, entretanto, que vão determinar o desenvolvimento de um mercado de capitais de sucesso no futuro, mas sim aquelas que, aos poucos e no contexto da nova lei, vão encontrar cada vez mais acionistas dispostos a adquirir suas ações, facilitando a abertura de capital e incentivando o desenvolvimento econômico do país.