Poucos temas são tão recorrentes em Finanças quanto a análise e avaliação de projetos. O estudante, em seu primeiro curso na disciplina, já é apresentado aos métodos alternativos de avaliação, como o pay-back, a taxa interna de retorno e o valor presente líquido. Vários anos depois, já como um executivo muito sênior, continuará utilizando a mesma metodologia para discutir temas estratégicos como a aquisição de um concorrente ou a abertura de uma subsidiária.
Se é tão freqüentemente estudada, a análise e avaliação de projetos deve ser um problema resolvido em Finanças, não é? Bem, para os estudiosos de Finanças, a reposta é um claro mas sonolento “sim”, dentro da amplamente conhecida teoria de orçamento de capital. Já para os executivos a resposta correta é um preocupante... “em termos”!
Existe unanimidade entre os estudiosos de Finanças quanto ao fato de que o melhor método de avaliação é o do valor presente líquido, o VPL. Métodos mais antigos, como pay-back e taxa interna de retorno possuem limitações enumeradas em todo bom manual de Finanças. Métodos mais recentes, como opções reais e Monte Carlo, são na verdade complementações ou refinamentos do VPL.
No VPL, o que fazemos inicialmente é calcular todo o fluxo de caixa decorrente do projeto. Estimamos os desembolsos e suas datas, bem como as receitas esperadas. Cada um desses fluxos ocorre em um instante diferente e, em função do valor do dinheiro no tempo, não podemos fazer uma comparação direta somando entradas e saídas. Afinal, receber uma quantia hoje não é o mesmo que recebê-la daqui a, digamos, um ano. O que fazemos então é adotar uma taxa de desconto com a qual calculamos o valor presente de todos os fluxos de caixa. Feito isto, basta somá-los, o que nos dá o VPL. Naturalmente, o VPL depende da taxa com a qual desconto o fluxo. Digamos que eu invista 100 hoje e espere receber 110 daqui a um ano. Se o custo de capital for inferior a 10%aa, aquela receita futura valerá mais que 100 hoje e o VPL será positivo. Se, ao contrário, meu custo de capital for superior a 10%, o VPL será negativo.
Mas como faço para saber qual o custo de capital adequado ao projeto? Bem, agora a Teoria de Finanças tem um pouco mais de dificuldade para responder! O processo clássico, nascido em 1964 pelas mão de William Sharpe, é o CAPM. Baseia-se em um raciocínio muito elegante que conclui com rigor matemático o que o estômago nos avisa: risco maior pede retorno maior para compensar. O resultado é intuitivo, mas o método foi deduzido supondo um mercado perfeito, aquele dos economistas, sem custos de transação, onde todos são racionais, ninguém domina o mercado, todos estão perfeitamente informados etc. No mundo real, vem sendo cada vez mais criticado, com propostas de sucessores ainda não consolidados. Para nós ao lado sul do Equador, isso não faz muita diferença: não dispomos nem mesmo das informações necessárias para aplicar o CAPM! Uma das informações que utiliza, só para citarmos o exemplo mais simples, é a taxa de retorno para o chamado ativo livre de risco, aquele que não tem o risco de não ser liquidado ao vencimento. Nos EUA, a taxa utilizada é a de títulos de longo prazo emitidos pelo Governo; como vamos fazer isso no Brasil?
Quando o projeto é grande, o próprio mercado responde: Teoria de Finanças de lado, custo de capital é o que preciso pagar para financiar o projeto. E ponto final. Vamos supor que eu esteja analisando uma privatização. Existe uma empresa estatal a ser privatizada e eu sou um dos potenciais compradores. Analiso o projeto, convenço-me de que posso ter sucesso com ele e, em conjunto com meu banco de investimentos, chego à conclusão de que posso financiá-lo ao custo de capital de 15%aa. Incluo aqui, naturalmente, não apenas a remuneração que considero justa para meu risco e esforço.
Se o mercado de capitais for suficientemente eficiente, não terei muita diferença para meus competidores, que terão aproximadamente o mesmo custo. Se o mercado for muito eficiente e os banqueiros (o meu e o do concorrente) muito bons, haverá uma diferença devida a quem está comprando a estatal. Afinal, a empresa administrada por mim terá um risco maior ou menor do que administrada por meu competidor. Mas... se o mercado for muito pouco desenvolvido, muito pouco eficiente, poderá acontecer o contrário. Talvez tanto eu como meu concorrente obtenhamos recursos que reflitam mais nosso passado em outras atividades que nosso futuro nesta atividade nova. Pode ser ruim para todos. Para a empresa que está captando mais caro, porque eventualmente perderá uma boa oportunidade de investimento. Para aquela que captou mais barato, porque talvez esteja pagando mais pelo projeto do que ele merece em função de seu risco.
Essa dificuldade em refletir o risco do projeto no custo de seu financiamento acaba criando certas práticas ruins. Algumas empresas simplesmente consideram seu custo de capital ao avaliar projetos, o que é um grande erro. Esquecendo a teoria por algum tempo, vamos olhar para alguns problemas práticos. Em primeiro lugar, considerar o próprio custo de capital da empresa faz com que ela perca a capacidade de distinguir entre dois projetos de riscos diferentes. Imaginem-se dois projetos que oferecem a mesma receita 110 daqui a um ano, a partir de um investimento de 100 hoje, como em nosso exemplo anterior. No primeiro deles a receita é praticamente certa, mas no outro há uma grande incerteza em relação a ela. Se ambos forem descontados à taxa de 10%aa, terão o mesmo VPL zero, o mínimo para que sejam aceitos, sem que possamos preferir um ou outro, embora não precisemos ser experts no assunto para ver que o de baixo risco deveria ser escolhido.
Uma outra dificuldade prática está na mudança de atividade. Estou em uma atividade tradicional e de baixo risco, onde obtenho um retorno de 15%aa, compatível com o que pago a meus acionistas e credores. Percebo entretanto a chance de investir em uma atividade nova, com alto potencial de crescimento e risco mais alto, onde os projetos oferecem retorno de 25%. Esse é o custo de capital de quem está nessa nova atividade. Resolvo então tirar proveito da ineficiência do mercado. Continuo utilizando o capital que me custa 15% para investir nessa nova atividade, podendo ser mais agressivo que meus concorrentes, pois aceito um retorno inferior. Digamos, 20%. Com o passar do tempo, vou aos poucos abandonando a atividade antiga (sem novos investimentos) e aumentando a participação da nova. Por ineficiente que seja, mais cedo ou mais tarde o mercado perceberá minha alteração e refletirá em meu custo predominantemente a atividade nova. Agora, preciso remunerar acionistas e credores aos 25% da nova atividade. Nesse meio tempo, contudo, já aprovei vários projetos com retorno mais baixo, que agora não pagam meu custo de capital... é bem possível que agora minhas ações estejam sendo cotadas abaixo de seu valor patrimonial! Com o passar do tempo, vejo que não fiz um bom negócio.
Então, como fazer? Procurar a remuneração adequada a cada projeto é sempre o melhor caminho, embora também o mais difícil. Comparação com outras empresas, com outras experiências da mesma empresa e, principalmente, transparência de resultados são boas tentativas. Uma empresa que, sob a mesma estrutura, combina atividades díspares e de riscos diferentes, não engana ao mercado: engana a si própria!